28 de dez. de 2017

Deserto

Como descrever o nascer do sol em um deserto? Talvez Monet ou Mozart poderiam descrever com sua arte tal beleza. Mas só estando lá para ser ter uma idéia. Infelizmente, em pouco tempo, deixa de ser tão bonito. O sol começa a aquecer e chega a tal ponto que nem os escorpiões ou os lagartos permanecem na superfície da areia e até um desacordado recobra seus sentidos.
- Aaahh... Minha cabeça....
Era difícil se concentrar, difícil até de pensar. Sua cabeça doía e não sabia o porquê, não conseguia entender por que suas mãos estavam sujas de areia ou porque estava tão quente.
- Onde estou? - disse ajoelhando-se e colocando as mão sobre os olhos. - Ai.... Minha cabeça.
Apoiou novamente as mãos no chão e com a cabeça abaixada vagarosamente abiru os olhos. A luz forte lhe causava ainda mais dor e cada vez mais se sentia confuso. Com um certo esforço conseguiu levantar a cabeça e enxergar aonde estava, e para sua decepção ficou ainda mais confuso. Estava em um mar de areia, dunas e mais dunas, não fazia o menor sentido. Não há dunas na serra.
Esfregou os olhos na tentativa de enxergar algo mais que areia e dunas, porém o sol não lhe permitia continuar, sua cabeça doía mais e mais, e por fim tornou a fechá-los e tentar racionar. Sempre fizera assim e agora não seria diferente, sua memória retornaria, tinha certeza.
Só era preciso relaxar e se concentrar, esvaziar a mente e deixar fluir. Lembrou do desconforto suportável de montar em um camelo a primeira vez, de parar três vezes para vomitar e da velha que o pertubava querendo vender suas bugingangas.
Não entedia como uma pessoa comum como ele poderia estar passando por tudo isso.
Há sete anos ele acordava no mesmo horário, saia de casa pontualmente as seis e meia e ia para o trabalho. Almoçava sozinho sempre no mesmo restaurante. Voltava para casa as seis. Comia, assistia televisão e dormia.
Nada mudava na sua vida até um dia a tarde quando recebeu um telefonema. Uma senhora o informava ele havia sido escolhido ao acaso para participar de uma brincadeira em um programa de rádio. O prêmio, uma viagem para o deserto. Não pareceu motivado pelo prêmio, mas a pergunta era tão simples para ele: A Torre Eiffel tem 300 metros de altura, é feita de aço e pesa 8.000.000 kg. Você quer fazer um modelo dessa torre com o mesmo material e pesando apenas 1 kg. Qual será a altura de seu modelo?
A resposta era simples para ele, como o peso da Torre Eiffel é 800.000.000 vezes maior que o peso do modelo, seu volume é 200 vezes maior que o volume do modelo pois 200 x 200 x 200 = 800.000.000. Portanto, a altura do modelo será 300/200 = 1,5 metros. Respondeu sem pestanejar.
Quase desistiu dois dias antes de embarcar para sua exótica viagem, mas seu chefe já havia dado até licença para ele poder viajar, afinal ele nunca havia tirado ferias em todos esses anos.
Em quanto olhava a imensidão do deserto, percebia a sua solidão. Ele sabia que ninguém o esperava em casa, pessoa alguma esperava um telefonema dele nos feriados.
O mundo a sua volta rodopiou e ele caiu. Sentia com o corpo todo a areia quente. Precisava controlar o desespero. Tinha que sobreviver. Uma palavra se formou em sua boca:
- Água.
Se viu sentado em sua mesa de trabalho, uma pilha enorme de papéis crescia na sua frente. E logo caiu em cima dele.
Tentando se desvincilhar da onda de papéis que pareciam o afogar, ele correu para rua. Gritou por socorro, mas ao olhar a sua volta e não via pessoa alguma. Pensou novamente em gritar, mas já perceberá a inutilidade de seu gesto. Estava em um deserto. Um deserto de concreto.
O tempo pareceu se dilatar é a melodia de uma caixinha de música invandiu o espaço. Marionetes voadoras rodopiam a minha volta. Um grande abutre apareceu no horizonte. Sentiu um frio na espinha.
Abriu os olhos e já era noite.A mais estrelada de sua vida, nuca imaginara que poderiam haver tantas estrelas no céu, não se via esse tipo de coisa na cidade.
Ele sentiu o frio que vinha de sua espinha percorrer todo o corpo e percebeu que também estava com fome, e que sua cabeça já não doía tanto.
Agora que conseguia levantar-se foi até alguns dos destroços procurar por comida, evitou a carroça ao seu lado, que agora tinha alguns corvos espalhados se alimentando. A lembrança do cocheiro morto ainda lhe causava enjôo mas já parecia fazer algum sentido. Não que uma morte ou assassinato tenha sentido, isso ele ainda não estava disposto a pensar e nem por que alguém faz algo como isso, na realidade os fatos estavam se encaixando e agora lembrava aonde estava e porque estava ali, mas alimentar-se era mais importante.
Abaixou-se diante de outra carroça, sem corvos, e começou a revistar em busca de algo que o ajudasse e percebeu que era inútil a sua busca. Os bandidos devem ter levado tudo, até mesmo a comida, foi o que ele pensou, mas para sua surpresa e deleite encontrou um cantil amassado sobe uns pedaços de roupa rasgada. Agora cheio de esperança ele ergueu o cantil até a altura dos olhos e o sacudiu para ver se realmente era verdade o que estava imaginando.
-água. Sussurou de prazer.
Em quanto dava um pequeno gole e buchechava, como havia visto na televisão. Pensou em tudo que sabia sobre o deserto.
Buscou, agora mais calmo, sentado na areia algumas respostas.
Sabia que existiam elefantes que caminhavam até quatro diassem água, que o órix é um dos poucos animais que podem passar semanas sem beber água, que o camelo pode perder até 40% da água e mesmo assim continuar saudável.
Um ser humano quando perder 5% da água no sangue, a visão fica comprometida, quando a perda chega a 10%, a pessoa enlouquece. Com 12%, o sangue fica tão espesso que o coração não consegue bombeá-lo mais e pára.
Sentiu vontade de chorar por sua própria futilidade.
- O que vou fazer? Vou conversar com as pedras para saber que direção tomar?
Gritou em plenos pulmões:
-Vou ficar falando sozinho?
Não houve resposta, nem mesmo eco para lhe enganar e dar esperança...
- Não adianta, estou mesmo sozinho... - disse sentando-se novamente.
- Maldito sorteio, maldita viagem e malditas férias! Para que isso? Sete anos trabalhando direto e quando tiro férias acabo nesse fim de mundo. Maldito burro que sou, isso sim! - fechou o cantil e deixou-se cair de costas na areia - Meu corpo todo dói... Quanto tempo será que fiquei desacordado? E porque não me mataram também. Se bem que tentaram. Minha cabeça ainda dói, mas acho que deve ser da pancada que levei. Sou tão insignificante para eles que me largam aqui para morrer. Eles sabem que eu não sou daqui e que provavelmente não sobreviverei muito tempo sozinho. Talvez até estejam por aí, me espreitando e observado. Apostando entre si se aguentarei mais um dia, e o pior, apostando com o meu dinheiro e as minhas coisas.
Levantou-se, passou as mãos pelo cabelo e olhou perdido ao redor. Não conseguia enxergar muita coisa, seu olhos ainda não estavam acostumados à escuridão. Com as mãos ainda na cabeça e sem pensar saiu andando. Passou por alguns destroços e nem se quer olhou para eles, seu olhos estavam fixos no horizonte e sua mente em outro lugar.
- Eu poderia estar em casa lendo um livro, ou na praia, sempre gostei de praia. Mas não, estou aqu... - tropeçou em algo e caiu de cara na areia
- Merda! - disse ao rolar para o lado e levantar - Em que eu trope... - não conseguiu terminar a frase, era demais para ele. Olhou a sua volta e viu mais e mais. Inúmeros cadáveres estirados no chão, alguns animais já se alimentavam de sua carne e o sol quente do dia lhes dera um aspecto ainda mais terrível, mas mesmo nesse estado os reconheceu, eram seus companheiros de caravana. Um misto de fúria e medo tomou seu coração.
- Desgraçados filhos da puta! - gritou o mais alto que pode - Por que me deixaram aqui? Venham e terminem o serviço, ao menos tentem... - abaixou-se, pegou um pedaço de pau e jogou longe - ... tentem e verão o que faço com vocês! Seus..... Seus... - seu tom de voz foi baixando até virar quase um sussurro, e sentindo que não havia como ficar ali decidiu voltar para onde estava. Lágrimas saiam de seu olhos cansados e desejou que aquilo não fosse verdade, fosse apenas um mal sonho, um maldito pesadelo sem graça.
- Qual direção tomar? – murmurou para si. Sabia que estava a três dias de viagem da cidade onde havia saido. E que sol sempre esteve a sua costas nesses dias. Não sabia de nenhuma outra cidade próxima nas redondezas.Havia entendido o guia dizer com seu inglês precário que essa era uma rota comum de caravanas e de nômades.O ar se agitou. Uma lufada de vento levantou uma folha solta. Ela voou pelo ar e bateu no rosto seu rosto.Pegou a folha e viu que estava escrito em sua lingua. “Minha casa está em ruínas;
Os frutos do meu trabalho foram engolidos.
E meus filhos não encontram lugar em minha casa;
Outro dorme em minha cama.Eu agora verto lágrimas de arrependimento,
E lamento por meus erros.
Que meu estado lhe sirva de advertência
Para trabalhar enquanto é tempo.O pássaro da alma voará
E deixará o corpo desabitado
A relva crescerá sobre o túmulo,
E talvez desabroche uma flor.”
Respirou fundo. Dobrou o papel e colocou no bolso. Decidiu que devia partir o mais rápido possível. Talvez encontra- se no caminho algum nômade ou até mesmo outra caravana que pudesse oferecer ajuda. Começou a revirar todo o resto do acampamento a procura de toda a àgua e comida que pudesse encontrar.Tinha pensando em arrumar um pedaço de pano para montar uma estrutura onde pudesse se esconder do sol durante o dia e caminharia durante a noite. Além disso precisava encontrar alguma coisa que pudesse usa para se defender, caso encontra-se os ladinos pelo caminho.Em quando procura coisas que pudesse o ajudar entre os cadáveres e os resto da caravana sentiu uma sensação estranha como se estivesse sendo observado.
Era uma sensação estranha mas deixou-a de lado, já olhara em volta e não havia ninguém, somente ele e sua sombra, que naquelas circunstâncias também parecia um pouco estranha.
Conseguiu encontrar somente mais um cantil, o que não o animou muito. Faltava agora o pano para a estrutura, nada demais, só o suficiente para fazer-lhe sombra sem dar muito trabalho para carregar. Tentava tirar a lona que cobria uma das carroças e mais uma vez sentiu que era observado, talvez fosse a sua imaginação, mas tinha que ter certeza. Fingiu continuar a tirar a lona como se nada tivesse acontecido e de repente deu um salto e girou no ar, caindo de costas para a lona e nesse momento ouviu um barulho. Então era verdade, eles realmente estavam lá, espreitando-o.
- Agora vocês vão ver. - sussurrou para si mesmo ao abaixar e pegar um pedaço de madeira.
Lentamente foi se aproximando da carroça que estava mais perto. A lona tapava parte da carroceria e certamente havia espaço para alguém se esconder. Não teve dúvida, brandiu sua arma e desferiu um golpe certeiro no meio da lona. Sentiu que acertara algo e pela primeira vez naquele dia se sentiu bem. Rapidamente levantou-a e viu que não passara de um engano apenas um monte de coisas quebradas.
- Não está certo, tenho certeza que o barulho veio daqui. - disse deixando a felicidade de lado - Posso ter me enganado, talvez seja aquela carroça, ou a outra.
Novamente se sentia enganado e perdido, havia sido tão real, tinha que estar lá! Foi correndo para a outra carroça e se jogou em cima de onde estaria seu inimigo e percebendo que havia algo não hesitou em bater-lhe. Mas estava errado, nada se mexia, ninguém tentou revidar.
- Droga, droga!!! - disse irritado - Não fique se escondendo, seu covarde!
Sentiu-se mal, enjoado, o melhor a fazer era descansar novamente. Voltou para carroça de onde estava tirando a lona e sentiu falta de algo.
- Estranho... Parece que perdi alguma coisa. - disse ele e de estalo se lembrou - Minhas coisas, aonde estão, aonde estão meus cantis?!

#rizoma #conto #deserto #taveiras

Nenhum comentário: